terça-feira, 3 de julho de 2012

Passeio vazio

Abrigado da chuva, debaixo da varanda dum prédio, gritava com todas as suas forças para quem passava:
- Vocês sabem lá o que é a vida. Vocês sabem lá o que custa...
A sua agressividade e provocação a todos incomodava mas ninguém parava. Antes, fingiam não ouvir. Olhando o vagabundo de lado, aceleravam o passo receando a sua proximidade. Como se tivesse uma doença grave, uma doença contagiosa que ninguém quer apanhar. 
E ele cada vez mais alto gritava, como se a todos quisesse matar. Todo o mundo era culpado do seu estado. Todo o mundo. Sozinho, com fome e sujo, ninguém lhe queria tocar e ele sabia. Ele sabia que o mundo o rejeitava, sabia que não havia lugar para ele. Sabia que não era amado. Sabia que o mundo era cruel. E essa crueldade magoava, magoava no mais fundo do seu ser. E magoava porque ele sentia que não merecia aquela situação. Sentia que não era justo e não conseguia mudar. O que é que ele podia fazer? Nada!
Tudo era escuridão e desespero. Cansado deixou de gritar e sua cabeça para baixo olhou. Por mais que gritasse, ninguém lhe falava, ninguém o queria escutar. Olhava para o chão e pensava:
- Que posso fazer eu para a minha vida mudar?
Foi então que por ele, uma criança passou e sorriu. 
A criança vinha acompanhada da sua mãe que apercebendo-se da proximidade do vagabundo, logo a puxou pela mão, dizendo:
- Vamos embora!
A criança não entendeu o puxão porque o pobre vagabundo para ela olhava com olhar amigo, emocionado com a ternura do seu sorriso. E os olhos do pobre homem se humedeceram. O sorriso daquela criança tinha tocado o seu coração. Era um sorriso de esperança e recordou-lhe os tempos em que também ele sorria. Os tempos em que brincando com os seus amigos, lugar para um futuro brilhante havia:
- Quando for grande quero ser polícia! - dizia ele com orgulho aos seus amigos do orfanato.
Mas isso não aconteceu.
Teve alguns empregos mas o último perdeu. A empresa faliu. Depois de algum tempo com subsídio de desemprego via-se agora condenado a vaguear pelas ruas. Não tinha família e, por isso, dormia hoje aqui e amanhã acolá. No Inverno era mais complicado:
- Este frio é tramado...!
Voltou a olhar para o passeio mas a criança tinha desaparecido. 
Agora só o passeio vazio, os pés molhados e o coração frio...

Manuel Filipe Santos
Oeiras, 3 de Julho de 2012

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