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segunda-feira, 4 de abril de 2022

novo amanhã


O mínimo que podemos fazer é partilhar o que pensa um Homem de 100 anos. No que todos devemos reflectir: 


"O dia do novo amanhã


Adriano Moreira

12 março 2022


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A crise brutal que a Rússia provocou faz lembrar uma consideração de Teilhard de Chardin: "É uma coisa terrível ter nascido, quer dizer, de se encontrar irrevogavelmente conduzido, sem o ter querido, por uma corrente de energia formidável que parece querer destruir tudo aquilo que contém em si" (Hymne de l'Univers).


O mundo está em processo de mudança.


Claro que sempre esteve, mas atingiu um ponto crítico.


Maior quantidade e maior velocidade em todos os escalões do processo.


Nunca fomos tantos ao redor da Terra, nunca soubemos tanto uns dos outros, nunca dependemos tanto de cada um e cada um de tantos.


Mas, também, nunca as vizinhanças foram tão ocasionais e episódicas nem tão grave a falta de equação entre as instituições e a vida.


O drama principal do que resta da geração que atingiu a maturidade foi o de ter sido formada para o mundo da estabilidade, e obrigada a viver a época da mudança.


Tentando futurar dos resultados, e converter, e adaptar, e reinventar as categorias com que é obrigada a entender a passagem de um mundo para outro.


Foi sempre necessário que uma geração contestasse alguma coisa da obra da anterior.


Que rejeitasse um tanto e que aceitasse o resto.


Mas provavelmente não aconteceu antes que a mesma geração tivesse de optar entre rever a sua própria atitude ou morrer na angústia de não ter adivinhado o mundo, de ter acreditado, e de reconhecer que muitas vezes os valores que lhe pregaram foram uns e os atos dos que a guiaram foram outros.


Sonhou a paz, por ela sacrificou milhões dos seus jovens, sem acabar com a guerra; aceitou lutar pela abundância, e encontra o mundo dividido entre povos ricos e pobres que não se estimam; adotou a igualdade do género humano, e defronta com o racismo; acreditou na igualdade dos povos, e reencontrou o genocídio.


Nesta contradição foi morrendo.


O que sobra são restos de uma geração de maioridade tardia.


É já sacudida pela geração seguinte.


Entre o desejo de receber veneração e a raiva de só poder exibir sacrifícios.


E estes não contam.


Só contam os resultados úteis.


E estes ninguém os agradece.


Se não tiverem a humildade da revisão, os que restam por esse mundo fora, da geração que foi morrendo traída, só podem entoar o cântico do desespero.


Sem vantagem em olhar para trás, sem frente para onde possam olhar.


A sós.


O verdadeiro inferno.


E, todavia, é mais fácil o caminho da coragem.


Olhar o mundo em processo de mudança.


Lutar para reinventar.


Porque há sempre um amanhã.


E amanhã sempre tudo estará melhor.


Oportunamente Mazower publicou um livro com o título “Governar o Mundo”, estudando o mundo desde 1815 até à época da paz que começámos a viver em 1945.


A violação jurídica de Putin voltou à intervenção da competência do Tribunal Penal Internacional e a coragem de defender a Ucrânia.


Foi profundamente assumido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a solidariedade crescente de todos os países que formaram os princípios da ONU.


O sacrifício crescente das vítimas está rodeado de veneração dos que assumem o novo futuro.


E neste ameaçado grupo estão jovens numerosos que serão vítimas do sacrifício imposto pela evidente loucura do responsável das agressões.


É exemplo da exigência da intervenção em defesa do direito e instituições globais, procurando legar aos jovens que sobrevivam e que devem ser salvaguardados palavras que há anos, que eram de esperança, proferi.


Estou com o desgosto de já não poder contribuir, de algum limitado modo, para o desafio que a universidade assume e enfrenta não desanimando perante as restrições, no sentido de não ver diminuído o seu papel institucional, a sua natureza de alicerce da soberania portuguesa igual na dignidade das nações, a sua capacidade de fazer avançar o saber e o saber fazer, de, enfim, assumir a quarta dimensão que os tempos lhe impõem, que é a de conseguir definir a estrutura, interdependências e consequencialismos do globalismo que tão severamente ataca a dignidade dos povos, e sobretudo um desafio severo no que respeita ao povo que é o nosso, nesta terra que, no dizer do patriarca D. Manuel Clemente, nos calhou ou em que encalhámos.


A nossa geração tem mais do que motivos para se interrogar sobre se fez tudo o que poderia ter feito para que o legado que deixa aos jovens, que enfrentam a difícil tarefa de redefinir um futuro, para não tornar este tão indecifrável e difícil.


Mas também espero da sua humana generosidade e compreensão que entendam como a nossa tarefa não foi fácil e espero que fique pelo menos o exemplo da não desistência."

No DN de 12 Março

 

sábado, 20 de novembro de 2010

DIZER É FÁCIL, MAS FAZER É QUE É IMPORTANTE

Fazem jus as memórias do Prof. Adriano Moreira à sua conhecida inteligência e à sua (igualmente) reconhecida sensibilidade.

De quanto ele reporta, nesse magnífico repositório de vivências, há um episódio delicioso que não resisto a reproduzir.

Quando era Ministro nos tempos do Estado Novo, foi visitar Moçambique. Na cidade da Beira, pôs-se à disposição do público para dialogar.

Eis que o Bispo da Beira, o grande D. Sebastião Soares de Resende, levanta uma questão: «A que velocidade vai ser executada a revogação do Estatuto do Indígena?»

Tal revogação, diga-se, tinha sido aprovada há já algum tempo. E, já nessa altura, havia a tendência para promulgar leis que, depois, não eram aplicadas ou só eram aplicadas muito mais tarde.

Resposta pronta (e sobretudo acutilante) do Ministro: «Senhor D. Sebastião, a sua lei já tem uns dois mil anos e agradecia que me dissesse a que velocidade vai para ver se o acompanho».

De facto, Jesus deixou-nos uma lei, uma lei nova, uma lei suprema, uma lei maravilhosa. Foi no discurso da Última Ceia que, à guisa de herança, no-la legou: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 13, 34).

A lentidão com que nós, cristãos, cumprimos (ou a rapidez com que incumprimos e violamos) essa lei é exasperante.

Ressalve-se que D. Sebastião até nem era dos mais culpados já que foi sempre um ardente defensor dos mais pobres.

Mas subsiste a pertinência da ministerial réplica. Como exigir dos outros o que nós, pelos vistos, não estamos dispostos a fazer?
in Na Paz, a Verdade
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