Massimo Troisi sabia que seu coração estava por um fio. Ainda assim, adiou uma cirurgia para filmar 'O Carteiro e o Poeta'. A cada manhã na ilha de Procida, chegava ao set pálido, com o fôlego curto, mas os olhos fixos no horizonte. Só podia trabalhar por cerca de uma hora, tempo precioso que a produção consumia com precisão cirúrgica. As cenas mais extenuantes ficavam para o dublê — cuja semelhança era tão perfeita que, na edição final, até o diretor Michael Radford confessou não saber distinguir quem era quem. Troisi parecia saber que estava fazendo sua despedida, e que cada plano seria um testamento silencioso. No dia seguinte ao último “corta”, seu coração parou.
Quanto à ficção, é simples: Mario (Troisi) é um carteiro tímido que se aproxima de Pablo Neruda e descobre na poesia um caminho para conquistar Beatrice (Maria Grazia Cucinotta). Nos bastidores, porém, o verdadeiro drama acontecia. O cronograma foi reformulado para se ajustar à fragilidade do protagonista: primeiro as cenas sentado, depois as de pé, depois as de bicicleta — sempre dosando a energia. Enquanto o público veria um romance nascer sob o sol, no set imperava um silêncio reverente, como se todos soubessem que cada dia de trabalho poderia ser o último.
Rodado em onze semanas, com apenas uma pausa na Páscoa, o filme foi o encontro improvável de três mundos: o texto do chileno Antonio Skármeta transportado para o sul da Itália, a direção de um inglês fluente na língua, e um protagonista napolitano cuja delicadeza física contrastava com a intensidade da presença. Procida, com suas fachadas desbotadas e um mar cuja cor mudava de azul a cinza em minutos, tornou-se parte da trama. Anos depois, a praça central da ilha ganharia o nome de Troisi, como se a vila quisesse eternizar aquele verão em que realidade e ficção se fundiram.
O longa, modesto em recursos, atravessou fronteiras. Ficou quase dois anos em cartaz em Nova York, conquistou cinco indicações ao Oscar e deu a Troisi e ao produtor Mario Cecchi Gori honrarias póstumas. Seu maior prêmio, porém, não está nas estatuetas, mas na aura de despedida contida em cada fotograma, à luz de quem acreditou que uma hora de criação valia mais do que uma vida prolongada sem ela. Em 'O Carteiro e o Poeta', a última entrega que Mario faz não está no roteiro — é Massimo Troisi enviando, para quem quisesse receber, sua derradeira carta de amor ao cinema.
Pesquisa e redação: Daniel de Boni
fonte: filmoscópio