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terça-feira, 15 de julho de 2025

Jardim a Dois Tempos

 

Naquele fim de tarde, o sol filtrava-se por entre as folhas 

como se o céu quisesse tocar a terra numa carícia silenciosa. 

O jardim estava quase vazio, exceto por uma criança  

— pequena, de cabelos revoltos e olhos que pareciam conter o brilho de todas as manhãs.  

Sentou-se na relva com a naturalidade de quem pertence ao mundo sem precisar de permissão. 

Foi então que o vi. Um homem idoso, de passos lentos, olhar distante, como quem caminha entre memórias. 

Trazia no corpo o peso dos anos, mas nos olhos, uma luz que ainda resistia. 

A criança olhou para ele, sem hesitação, sem medo, sem filtro.  

E disse, com a simplicidade que só os puros conhecem: “Xenta´qui comigo?” 

O velho parou. Houve um instante em que o tempo pareceu prender a respiração. 

E depois, como se aquele convite fosse um chamado antigo, ele sorriu 

— um sorriso que não era só dele, mas de todos os que já foram esquecidos.  

Com esforço e dignidade, ajoelhou-se e sentou-se ao lado do menino. 

Ali, naquele pedaço de muro e circundante relva, formou-se algo sagrado. 

Um círculo invisível, um elo entre o que começa e o que retorna. 

A criança, com a leveza da inocência.  

O ancião, com a profundidade da experiência. Ambos em silêncio, ambos inteiros. 

Observei-os de longe, sem querer perturbar o milagre. 

E compreendi:  

Aquele não era apenas um encontro.  

Era um ensinamento.  

Era a Mãe Terra a lembrar-nos que o tempo não separa — apenas transforma.  

Que a sabedoria não se impõe — floresce quando é acolhida.  

E que o amor verdadeiro não precisa de palavras — basta-lhe um gesto.   

Naquele momento, vi o passado e o futuro sentarem-se juntos no presente.  

E o jardim tornou-se templo. 

Ainda hoje me pergunto: 

Quando a vida me convida a sentar-me com ela, respondo com a leveza da criança… ou com a humildade do velho que se lembra?


~Ruth Collaço

fonte: O Caminho do Universo