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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

O Carteiro e o Poeta



Massimo Troisi sabia que seu coração estava por um fio. Ainda assim, adiou uma cirurgia para filmar 'O Carteiro e o Poeta'. A cada manhã na ilha de Procida, chegava ao set pálido, com o fôlego curto, mas os olhos fixos no horizonte. Só podia trabalhar por cerca de uma hora, tempo precioso que a produção consumia com precisão cirúrgica. As cenas mais extenuantes ficavam para o dublê — cuja semelhança era tão perfeita que, na edição final, até o diretor Michael Radford confessou não saber distinguir quem era quem. Troisi parecia saber que estava fazendo sua despedida, e que cada plano seria um testamento silencioso. No dia seguinte ao último “corta”, seu coração parou.


Quanto à ficção, é simples: Mario (Troisi) é um carteiro tímido que se aproxima de Pablo Neruda e descobre na poesia um caminho para conquistar Beatrice (Maria Grazia Cucinotta). Nos bastidores, porém, o verdadeiro drama acontecia. O cronograma foi reformulado para se ajustar à fragilidade do protagonista: primeiro as cenas sentado, depois as de pé, depois as de bicicleta — sempre dosando a energia. Enquanto o público veria um romance nascer sob o sol, no set imperava um silêncio reverente, como se todos soubessem que cada dia de trabalho poderia ser o último.


Rodado em onze semanas, com apenas uma pausa na Páscoa, o filme foi o encontro improvável de três mundos: o texto do chileno Antonio Skármeta transportado para o sul da Itália, a direção de um inglês fluente na língua, e um protagonista napolitano cuja delicadeza física contrastava com a intensidade da presença. Procida, com suas fachadas desbotadas e um mar cuja cor mudava de azul a cinza em minutos, tornou-se parte da trama. Anos depois, a praça central da ilha ganharia o nome de Troisi, como se a vila quisesse eternizar aquele verão em que realidade e ficção se fundiram.


O longa, modesto em recursos, atravessou fronteiras. Ficou quase dois anos em cartaz em Nova York, conquistou cinco indicações ao Oscar e deu a Troisi e ao produtor Mario Cecchi Gori honrarias póstumas. Seu maior prêmio, porém, não está nas estatuetas, mas na aura de despedida contida em cada fotograma, à luz de quem acreditou que uma hora de criação valia mais do que uma vida prolongada sem ela. Em 'O Carteiro e o Poeta', a última entrega que Mario faz não está no roteiro — é Massimo Troisi enviando, para quem quisesse receber, sua derradeira carta de amor ao cinema.


Pesquisa e redação: Daniel de Boni


fonte: filmoscópio

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Original é o poeta

Deixou-nos há 39 anos


José Carlos Pereira Ary dos Santos
(1936-12-07 / 1984-01-18)

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
~José Carlos Ary dos Santos
fonte:
António Galopim de Carvalho

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ter um Pai e Ser Poeta

Ter um Pai! É ter na vida
Uma luz por entre escolhos;
É ter dois olhos no mundo
Que vêem pelos nossos olhos!

Ter um Pai! Um coração
Que apenas amor encerra,
É ver Deus, no mundo vil,
É ter os céus cá na terra!

Ter um Pai! Nunca se perde
Aquela santa afeição,
Sempre a mesma, quer o filho
Seja um santo ou um ladrão;

Talvez maior, sendo infame
O filho que é desprezado
Pelo mundo; pois um Pai
Perdoa ao mais desgraçado!

Ter um Pai! Um santo orgulho
Pró coração que lhe quer
Um orgulho que não cabe
Num coração de mulher!

Embora ele seja imenso
Vogando pelo ideal,
O coração que me deste
Ó Pai bondoso é leal!

Ter um Pai! Doce poema
Dum sonho bendito e santo
Nestas letras pequeninas,
Astros dum céu todo encanto!

Ter um Pai! Os órfãozinhos
Não conhecem este amor!
Por mo fazer conhecer,
Bendito seja o Senhor!

Florbela Espanca
in http://ideiaseideais.blogs.sapo.pt/65825.html

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Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca