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sábado, 8 de novembro de 2025

A máquina para analisar quem deve comungar


 


No final da celebração, 

uma senhora piedosa aproximou-se de mim, visivelmente aflita. 

Pedia-me uns minutos, 

com urgência na voz e inquietação no olhar. 

Como tinha tempo, escutei.


Começou por me dizer, 

com respeito e convicção, 

que eu dava a comunhão a toda a gente. 

Que isso não podia ser. 

Que um bom padre devia saber 

a quem a podia dar… e a quem devia negar.


Fiquei em silêncio.

E, nesse silêncio, 

subiu do fundo da alma uma súplica antiga:

“Senhor, vinde em meu auxílio.”


Depois, com calma, 

disse-lhe que há dias 

tinha adquirido uma máquina —

uma máquina para analisar quem podia comungar sem pecados. Entrei nela para experimentar… e a máquina avariou por excesso de pecados. Tive de a devolver.


A senhora sorriu, 

mas o coração dela pedia mais que humor.

Então disse-lhe:

Na última ceia, Jesus deu o pão a todos.

Deu-o a quem O venderia por trinta moedas,

a quem O negaria três vezes,

a quem O abandonaria no momento da cruz,

e até a quem duvidaria da Sua ressurreição.


A comunhão não é o troféu dos justos,

é o pão dos famintos.

Não é o prémio dos santos,

é o remédio dos feridos.


Sim, é verdade: 

há situações em que o padre deve, por prudência e fidelidade, esclarecer as pessoas individualmente e ajudá-las a fazer caminho. Mas a Eucaristia nunca pode ser usada como arma, nem como muralha que separa os bons dos maus. A comunhão é sempre um ato de ternura pastoral, de amor que corrige sem humilhar.


Também é verdade que não pode haver compreensão facilitante. 

Quem traz no coração 

o peso do pecado grave é chamado a reconciliar-se primeiro, 

a purificar-se na confissão, 

a redescobrir o abraço do perdão.


Mas há mistérios que só Deus conhece.

Nem todas as situações irregulares estão privadas de graça, nem todas as feridas humanas são sinal de rejeição. 

Há histórias de dor, 

de amor imperfeito mas sincero,

onde o Espírito continua a respirar — discretamente, como brisa.


O Papa Francisco disse, em Amoris Laetitia,

que “a consciência pessoal é o lugar onde ressoa a voz de Deus”. 

Nem sempre quem vive o conflito 

vive afastado da graça.

Há culpas que se diluem na fragilidade,

há fidelidades que florescem no meio do caos,

há fé que sobrevive onde ninguém esperaria.


A senhora despediu-se, ainda pensativa.

E eu fiquei ali, diante do altar sozinho,

a pensar que a única máquina 

que Jesus nos deixou não mede pecados — distribui misericórdia.


É feita de pão, de perdão e de amor.

E essa, sim, nunca avaria —

porque funciona à corrente do Coração de Deus. 


#Eucaristia #Comunhão #ReflexãoCristã #FéQueTransforma #AmorisLaetitia #PapaFrancisco #Misericórdia #AmorDeDeus #CoraçãoDeDeus #TernuraPastoral #Espiritualidade #IgrejaQueAcolhe #PadreJoãoTorres


~Padre João Torres





segunda-feira, 11 de agosto de 2025

DEUS NÃO É CULPADO

 


Olho para o diário de Etty Hillesum e não consigo fugir da verdade crua que ela escreveu:

“Quero ajudar-te, Deus, a que não me abandones, mas eu não me posso responsabilizar por nada. Apenas uma coisa se me torna cada vez mais clara: que tu não nos podes ajudar, mas que nós devemos ajudar-te, e nisso ajudamo-nos a nós mesmos. É a única coisa de que se trata: salvar um pedaço de ti, Deus, em nós. ... Não te peço nenhuma justificação... torna-se cada vez mais claro, que não nos podes ajudar, mas que nós temos que ajudar-te e temos de defender até ao fim a tua habitação em nós.”


Mas continuamos a empurrar-lhe a culpa.

É mais fácil culpar o Céu do que enfrentar o espelho.


Deus não tem culpa do teu casamento falhado, quando tu próprio ignoraste os sinais durante o namoro.


Deus não é responsável pela tua solidão, quando te contentas com o que te diminui por medo de estar só.


Deus não te prende à pobreza, quando não sabes gerir o pouco que tens.


Deus não afasta os teus filhos, quando foste tu que nunca os soubeste escutar.


Fomos nós.

Somos nós.

Com escolhas mal feitas, amores mal curados, decisões empurradas com a barriga e responsabilidades sempre adiadas.


Deus não é culpado da tua oração vazia, da tua fé fraca, da tua vida desordenada.

Deus não controla os teus impulsos, não te obriga a amar, não te força a recomeçar.

Deu-te liberdade.

Deu-te inteligência.

Deu-te um coração. E deixou-te caminhar.


Preferimos um Deus à medida dos nossos caprichos: que resolva, que limpe, que perdoe, que substitua o esforço que não queremos ter.

Mas Deus não é nosso criado.

É Pai.

E um Pai educa, espera, confia, e deixa-nos aprender — mesmo que doa.


O mundo arde em guerras, injustiças e abandono.

Mas a pergunta não é: “Onde está Deus?”

A pergunta é: “Onde estamos nós?”


A fé verdadeira não é uma desculpa, é um compromisso.

E Deus…

Deus nunca fugiu.

Talvez sejas tu que precisas de voltar.


#DeusNãoÉCulpado #LivreArbítrio #Responsabilidade #Reflexão #FéReal #ProsaPoética #Portugal #Espiritualidade #Recomeçar #padrejoaotorres


~Pe João Torres




terça-feira, 15 de julho de 2025

Parabéns Padre Tobias

 


75 Anos com Deus: a Jornada do Padre Tobias


Há homens que são como as árvores antigas: fincados na terra com raízes profundas, não apenas no chão, mas na alma de um povo. Padre Tobias Álvares da Silva é desses. Há setenta e cinco anos que é sacerdote, e outros tantos  a ser o coração que pulsa em Pedralva, freguesia que o conhece mais do que as suas próprias pedras. Nascido a 6 de agosto de 1926, em Vermil, no concelho de Guimarães.


O Padre Tobias tornou-se, ao longo das décadas, um fio de luz constante, discreto e firme. Levanta-se antes do mundo acordar. Um caldo simples sustenta-lhe o corpo, mas é na oração que se alimenta a alma. Às 05h30, a igreja espera-o em silêncio. A pedra fria e o escuro da madrugada envolvem-no como um manto, e às 06h30, a Eucaristia acende o dia. Pouca luz, apenas um candeeiro a repousar sobre o ambão, e é dele que se faz lume — sobre as letras sagradas que conduzem à Palavra da Salvação. E ali, naquela penumbra santa, o Verbo torna-se carne de novo, e o velho sacerdote, curvado pelos anos mas erguido pela fé, faz do altar um reencontro com o eterno.


Depois, desce à cidade, como quem desce ao mundo. Vai ao Café Brasileira, esse pequeno palco onde observa a cidade a nascer, folha a folha, nas páginas do Diário do Minho. Mastiga palavras, cumprimenta os rostos como quem beija a história de cada um. O Padre Tobias conhece as ruas como conhece as Escrituras: com reverência e familiaridade. E se o tempo deixar, visita um colega doente, um amigo que o tempo escondeu, mas que a amizade nunca deixou morrer.


Durante o dia, vê gente. Conversa. Escuta mais do que fala. Fala mais com o olhar do que com a boca. E quando o sol começa a render-se à noite, ele volta a palrar com o bom Deus — esse Amigo de sempre que nunca lhe falhou.


Pedralva é o Padre Tobias e o Padre Tobias é Pedralva. São inseparáveis como o tronco e o solo que o sustenta. Conhece cada batismo celebrado, cada primeira comunhão partilhada, cada crisma preparado com zelo. Foi testemunha de casamentos, abençoou filhos e depois netos, e carregou no peito o peso terno dos funerais. Viveu com os seus. Sofreu com eles. Riu e chorou ao seu lado. Não há muitos como ele — um homem que nunca quis ser mais do que alguém que conhece as suas ovelhas pelo nome, que vive no meio do rebanho, que se faz próximo sem invadir, que escuta sem julgar.


Porque ser padre, para Tobias, não é ter um título, é ser presença. É calçar as mesmas ruas, carregar os mesmos lutos, celebrar as mesmas alegrias. É conhecer as histórias, mesmo as que não se contam. É viver com, e não apenas para.


E por isso, quando alguém diz “o nosso padre”, não é só um costume — é verdade profunda. É pertença. É amor antigo. É Tobias, o pastor de almas, que nunca deixou de ser homem. E por isso, tornou-se mais do que isso: tornou-se memória, pilar, esperança.


Setenta e cinco anos de sacerdócio não se contam em datas. Contam-se em batimentos. No compasso sagrado entre o altar e a praça, entre a missa e o café, entre a fé e o mundo. E ali, nesse lugar onde céu e chão se tocam, vive — com humildade e grandeza — o Padre Tobias.


~Pe João Torres



segunda-feira, 5 de maio de 2025

O tempo que ainda temos

 



Há um tempo que se escapa…

E há um tempo que, por graça, ainda é nosso.


O que passou, passou com a pressa dos dias que não soubemos saborear.

Mas há este agora — simples, frágil, mas inteiro.

É neste instante que se joga tudo o que importa.


Vivemos muitas vezes como se as pessoas fossem eternas,

Como se os abraços pudessem esperar por dias mais tranquilos,

Como se o amor dito amanhã valesse o mesmo que o amor dito hoje.


Mas o tempo não espera.

E o amor, quando se adia, pesa.

Não porque se perca,

Mas porque se acumula como um nó no peito,

Como um gesto por fazer,

Como uma palavra que ficou por dizer.


Talvez hoje o maior acto de coragem seja este:

Estar. Estar de verdade.

Ouvir sem distracção. Olhar nos olhos.

Acolher o outro com tudo o que traz:

A alegria, a dúvida, a dor escondida.


Porque talvez amanhã já não possamos.

Talvez o outro já não esteja…

Talvez sejamos nós a já não estar.

E o que mais custa, nesses momentos,

Não é o que vivemos —

É o que deixámos por viver.


Ainda vamos a tempo.

Ainda hoje podemos tocar a vida de alguém com um gesto simples:

Uma presença sem pressa.

Uma chamada feita a tempo.

Uma palavra justa.

Um perdão que se dá.


O tempo que ainda temos é dom.

É o lugar onde Deus nos espera.

E talvez seja esse o milagre escondido no quotidiano:

Podermos amar melhor,

Com mais consciência,

Com mais ternura,

Com mais verdade.


Porque um dia, sim…

Um dia não teremos mais tempo.


Mas hoje…

Hoje ainda temos.


via Pe João Torres


junho de 2013

Guardo no meu coração as memórias mais felizes, de todos aqueles que amo, de todos os momentos de maior alegria. Dos momentos mais tristes guardo apenas as lições, aquilo que aprendi. São os instantes que enriquecem uma vida.

Manuel Filipe
Tercena, 5 de maio de 2025

dezembro de 2024