Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
1. A coisa mais importante da vida é a vida e a saúde.
O divertimento e o desporto nada significam sem a saúde. E devemos agradecer ao nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS). Aos médicos, aos enfermeiros, aos auxiliares... Todos foram e são excecionais.
2. Em muitos momentos cada um foi para seu lado. É bom que quando chegarem as vacinas cheguem para todos porque não há cidadãos de primeiro e de segunda.
3. A Europa andou distraída no início. Percebeu tarde, mas percebeu. Foi menos egoísta.
4. Epidemia pega-se com muita facilidade. Ficamos em casa semanas ou meses porque houve quem fosse trabalhar. Os médicos, os homens de lixo, os polícias, os seguranças...
5. O vírus ataca toda a gente, mas sobretudo os mais idosos como eu que tenho 71 anos, os mais doentes do coração e dos pulmões. E a vossa obrigação é pensar que não são eternos. Usar a máscara quando necessária, a distância social quando imposta e a limpeza.
6. O vírus ataca todos, mas sobretudo os mais pobres, os sem tetos, os que vivem em camaratas ou em casas sem condições. Um em cada cinco pessoas que vivem em Portugal estão abaixo do limiar da pobreza.
7. Milhares de emigrantes que quiseram vir a Portugal nas férias da Páscoa e nós tivemos de lhes pedir para não virem para não haver o risco de contágio e eles sacrificaram-se. E agora pedimos aos milhares que se preparam para vir de férias de verão que tenham cuidado com os avós.
8. Vocês passaram largas semanas em casa fechados, com os irmãos, pais e avós e estiveram distante de outros familiares e amigos. Foi mesmo uma irritação, uma guerra. Nunca nos últimos anos estiveram tanto tempo juntos como agora. Isso é uma sensação única, mesmo nos momentos em que não corre bem e se irritam... isso é inesquecível. É o melhor que temos na vida.
9. Eu já vivi algumas epidemias, mas nada comparado com isto. Olhemos para a China, onde já se fala na segunda vaga. Nunca se estudou tanto pela Internet, nunca se trabalhou tanto de casa com o computador, nunca se falou tanto com colegas, amigos, parentes através da Internet como nos últimos meses. Eu descobri o valor das pequenas coisas. Não poder viajar, sair de casa, jogar à bola, pequenos gestos, um encontro ou conversa com um amigo ganha importância. Eu passeei quilómetros no Palácio de Belém. O que parece pequeno torna-se enorme. Por vezes chamamos a isso saudade, mas se não for saudade é vontade de encontrar. Agora pensem em quem não sai de casa. Ponham-se na posição deles. Imaginem o que é estar preso em casa. Vocês estiveram e agora deem valor a quem está preso em casa. Devem encontram-se com bom senso. Outro dia fui a um concerto e de repente entra no palco a banda que ia tocar e os dois artistas que iam cantar e houve um aplauso louco. Era um aplauso de até que enfim. Eu como sabem nado duas ou três vezes por semana. E durante o período que não se podia nadar eu passeava à noite, um passeio higiénico à noite e evitava olhar para praia, não sabia quanto tempo tinha de ficar sem nadar. Quando pude dei um passeio no paredão da praia e no primeiro dia que pude nadar soube-me como se tivesse cinco ou seis anos que foi quando comecei a mergulhar. Aos 13-14 anos pensava que ia viver eternamente. O esforço teve de ser de todos. E agora o que me apetece é abraçar e beijar as pessoas. Eu tenho fama de beijoqueiro. É verdade sou beijoqueiro. Os pais educaram-me assim. O meu filho que vive em São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil e no Mundo, neste momento, veio visitar-me e esteve cá 15 dias e mantivemos o distanciamento social, mas no momento de se despedir, o meu filho não resistiu e abraçou-me e beijou-me. Ainda bem que não havia câmaras a filmar.
10. Para vocês para quem o ano não correu assim tão bem, não fiquem desanimados que não é o fim do mundo. A grande aula da vossa vida foi viver o que viveram.
Não me recordo de ter medo de cães. Sempre “julguei” que se não mostrasse medo não haveria nada a recear e, até hoje, este pensamento pareceu suficiente. No entanto, esta manhã, fui mordido pelo cão dum vizinho quando ia a sair do prédio onde vivo. Estava a fazer-lhe o favor de não deixar a porta do prédio fechar, para ele poder levar os cães a passear. O vizinho levava dois cães pela trela mas, um terceiro cão, saiu lançado de dentro de casa, como se fosse o dono do mundo e, num ápice, acabou por me ferrar na perna com que segurava a porta do prédio. Surpreendido, exclamei:
- ele mordeu-me...!?
Não satisfeito, ainda acrescentei:
- ele tem algum problema?
O pobre do vizinho não sabia o que fazer...
- espere um pouco - disse ele, como quem quer de certa forma pedir tempo para me apoiar...
- Deixe estar - respondi prontamente - Não foi nada!
- Enquanto me dirigia para o carro, ainda o ouvi a ralhar com o cão dentro de casa e imagino que lhe tenha dado umas palmadas mas a maior lição foi para mim; tanto no que respeita aos animais como com aqueles a quem chamamos humanos:
Ter confiança é positivo
mas cuidado com as pernas... Mano Oeiras, 17 de Junho de 2020
Sempre procurei ver o lado positivo mesmo no maior problema; ver o copo meio cheio e não meio vazio, sorrir mesmo quando a alma dói. Mas hoje preciso desabafar, pois tenho o peito cheio de mágoa. Estou cansado da hipocrisia deste mundo. Estou saturado da sua crueldade, da sua indiferença. Estou farto de bajulação e de selfies, de competição e conflito, de stress e pressão, do falhado e do campeão. Estou cansado... Não quero deixar de acreditar que é possível fazer melhor; que um dia tudo mudará. Despertar! Despertar deste sonho insano, desta loucura global, desta selva irracional, deste pesadelo. Mas sei que em mim está a solução. Apenas eu me posso trabalhar. Sou eu que preciso acordar. A cada instante alimento este inferno, por continuar a julgar, por ainda não perdoar, por ainda não acolher, por ainda não Amar. Julgo o mundo exactamente por aquilo que ainda não consegui deixar de fazer. Mano Oeiras, 17 de Junho de 2020
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive. Vinicius de Moraes fonte: escritas