O mínimo que podemos fazer é partilhar o que pensa um Homem de 100 anos. No que todos devemos reflectir:
"O dia do novo amanhã
Adriano Moreira
12 março 2022
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A crise brutal que a Rússia provocou faz lembrar uma consideração de Teilhard de Chardin: "É uma coisa terrível ter nascido, quer dizer, de se encontrar irrevogavelmente conduzido, sem o ter querido, por uma corrente de energia formidável que parece querer destruir tudo aquilo que contém em si" (Hymne de l'Univers).
O mundo está em processo de mudança.
Claro que sempre esteve, mas atingiu um ponto crítico.
Maior quantidade e maior velocidade em todos os escalões do processo.
Nunca fomos tantos ao redor da Terra, nunca soubemos tanto uns dos outros, nunca dependemos tanto de cada um e cada um de tantos.
Mas, também, nunca as vizinhanças foram tão ocasionais e episódicas nem tão grave a falta de equação entre as instituições e a vida.
O drama principal do que resta da geração que atingiu a maturidade foi o de ter sido formada para o mundo da estabilidade, e obrigada a viver a época da mudança.
Tentando futurar dos resultados, e converter, e adaptar, e reinventar as categorias com que é obrigada a entender a passagem de um mundo para outro.
Foi sempre necessário que uma geração contestasse alguma coisa da obra da anterior.
Que rejeitasse um tanto e que aceitasse o resto.
Mas provavelmente não aconteceu antes que a mesma geração tivesse de optar entre rever a sua própria atitude ou morrer na angústia de não ter adivinhado o mundo, de ter acreditado, e de reconhecer que muitas vezes os valores que lhe pregaram foram uns e os atos dos que a guiaram foram outros.
Sonhou a paz, por ela sacrificou milhões dos seus jovens, sem acabar com a guerra; aceitou lutar pela abundância, e encontra o mundo dividido entre povos ricos e pobres que não se estimam; adotou a igualdade do género humano, e defronta com o racismo; acreditou na igualdade dos povos, e reencontrou o genocídio.
Nesta contradição foi morrendo.
O que sobra são restos de uma geração de maioridade tardia.
É já sacudida pela geração seguinte.
Entre o desejo de receber veneração e a raiva de só poder exibir sacrifícios.
E estes não contam.
Só contam os resultados úteis.
E estes ninguém os agradece.
Se não tiverem a humildade da revisão, os que restam por esse mundo fora, da geração que foi morrendo traída, só podem entoar o cântico do desespero.
Sem vantagem em olhar para trás, sem frente para onde possam olhar.
A sós.
O verdadeiro inferno.
E, todavia, é mais fácil o caminho da coragem.
Olhar o mundo em processo de mudança.
Lutar para reinventar.
Porque há sempre um amanhã.
E amanhã sempre tudo estará melhor.
Oportunamente Mazower publicou um livro com o título “Governar o Mundo”, estudando o mundo desde 1815 até à época da paz que começámos a viver em 1945.
A violação jurídica de Putin voltou à intervenção da competência do Tribunal Penal Internacional e a coragem de defender a Ucrânia.
Foi profundamente assumido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a solidariedade crescente de todos os países que formaram os princípios da ONU.
O sacrifício crescente das vítimas está rodeado de veneração dos que assumem o novo futuro.
E neste ameaçado grupo estão jovens numerosos que serão vítimas do sacrifício imposto pela evidente loucura do responsável das agressões.
É exemplo da exigência da intervenção em defesa do direito e instituições globais, procurando legar aos jovens que sobrevivam e que devem ser salvaguardados palavras que há anos, que eram de esperança, proferi.
Estou com o desgosto de já não poder contribuir, de algum limitado modo, para o desafio que a universidade assume e enfrenta não desanimando perante as restrições, no sentido de não ver diminuído o seu papel institucional, a sua natureza de alicerce da soberania portuguesa igual na dignidade das nações, a sua capacidade de fazer avançar o saber e o saber fazer, de, enfim, assumir a quarta dimensão que os tempos lhe impõem, que é a de conseguir definir a estrutura, interdependências e consequencialismos do globalismo que tão severamente ataca a dignidade dos povos, e sobretudo um desafio severo no que respeita ao povo que é o nosso, nesta terra que, no dizer do patriarca D. Manuel Clemente, nos calhou ou em que encalhámos.
A nossa geração tem mais do que motivos para se interrogar sobre se fez tudo o que poderia ter feito para que o legado que deixa aos jovens, que enfrentam a difícil tarefa de redefinir um futuro, para não tornar este tão indecifrável e difícil.
Mas também espero da sua humana generosidade e compreensão que entendam como a nossa tarefa não foi fácil e espero que fique pelo menos o exemplo da não desistência."
No DN de 12 Março