domingo, 4 de setembro de 2022

E os meus olhos rasgarão a noite...

Pilotagem

E os meus olhos rasgarão a noite;

E a chuva que vier ferir-me nas vidraças
Compreenderá, então, a sua inutilidade;

E todos os sinos que alimentavam insónias
hão-de repetir as horas mortas
só para os ouvidos da torre;

E os outros ruídos abafar-se-ão no manto negro da noite;

E a mão alva que me apontava os nortes
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;

E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste seu reino;

E todas as luzes que tresnoitaram os homens
apagar-se-ão;

E o silêncio virá cheio de promessas
que não se cansaram na viagem;

E todos os povos de Babel
com as riquezas que há no mundo
virão festejar a paz em minha honra;

E os caminhos se abrirão
para os homens que seguirem de mãos dadas;

O sangue derramado de Cristo 
terá finalmente significação,
e da inútil cruz do martírio
se erguerá o pendão da vitória;

E assim terão começo
os sonhados dias dos meus dias!

Fernando Namora, in "Mar de Sargaços" (Coimbra, 1940)

 
Fernando Namora


Sem comentários:

Enviar um comentário