Às vezes era bom que tu viesses.
Falavas de tudo com modos naturais:
em ti havia
a harmonia
dos frutos e dos animais.
Maio trouxe cravos como outrora,
cravos morenos, como tu dizias,
mas cada hora
passa e não se demora
na tristeza das nossas alegrias.
Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
um novo gesto é igual ao que passou.
Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude,
tu quebraste o ritmo, o ardor,
ao partires um a um
os ramos todos da tua juventude.
Não estamos sós:
setembro traz ainda
um fruto em cada mão.
Mas os homens, as aves e os ventos
já não bebem em ti a direcção.
~Eugénio de Andrade in POESIA
Amantes sem dinheiro, 1950
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