Mostrar mensagens com a etiqueta #cardealtolentinomendonça. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta #cardealtolentinomendonça. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 26 de setembro de 2023

O Senhor que cuida das estrelas

 

Amigos, fiquei muito tocado pelo Salmo 146, e sobretudo por esta estrofe, a estrofe segunda, que diz isto: “O Senhor sarou os corações dilacerados e ligou as suas feridas. Fixou o número das estrelas e deu a cada uma o seu nome.” 


Sensibilizou-me muito esta coisa, um bocado espantosa, que o poeta do salmo faz aqui, que é: está a falar de feridas e de repente começa a falar de estrelas. 


E diz: O Senhor cura o nosso coração dilacerado, liga, ata as nossas feridas, mas também é o Senhor que cuida das estrelas. Então a prece, a oração, liga a dor, a nossa pequena dor, a dor vivida nesta escala íntima, só nossa, que nos parece (quando olhamos para o universo sentimo-nos como um grãozinho de poeira) como um nada, um quase nada.


O Senhor liga este quase nada que cada um de nós é às estrelas, à imensidão, ao infinito, ao incontável, àquilo que nos deslumbra, àquilo que está tão alto desta terra onde às vezes nos sentimos prostrados, o Senhor faz essa ligação. 


E como é que Ele faz essa ligação? Tocando-nos, chamando-nos pelo nome, colocando-nos em pé.


~Cardeal D. José Tolentino Mendonça (homilia) 

Mural do Cardeal Tolentino


segunda-feira, 29 de maio de 2023

Todos precisamos de perdão

Nosso desígnio, inconfessado, mas claríssimo, passa a ser atravessar a vida (e o que nos resta dela) com o estatuto de vítima. 


A nossa cabeça de pessoas crescidas é complicada. 


Descobrimos que há um prazer em listar achaques e traições, e se a minha chaga puder ser maior do que a tua tanto melhor, isso reforça o meu estatuto. A verdade é que se não tomarmos atenção, a desgraça íntima torna-se um escanzelado pódio onde nos blindamos. Penso que uma viragem se opera quando aceitamos perceber que somos todos vulneráveis. É fácil reproduzir um esquema dialéctico em que somos a vítima e o outro agressor e esquecer que ele também é atravessado pelo sofrimento. De fato, não raro, a agressão é uma linguagem desviada para exprimir ou para dissimular a condição de vítima. 


Um necessário caminho é reconhecer que naqueles que nos ferem (ou feriram) há também bloqueios, mazelas e opacos novelos. Se não nos amaram, não foi necessariamente por um ato deliberado, mas por uma história porventura ainda mais sufocada do que a nossa. Não se trata de desculpabilização, mas de reconhecer que naquele que não me fez justiça ou não me devolveu a cordialidade que investi existe alguém provado pelo limite. E que a ferida agora acesa não se destinava a mim especificamente: era um magma de violência à deriva, à beira de estalar.


Todos precisamos de perdão.

Perdoar é crer na possibilidade de transformação, a começar pela minha.


Muitas vezes a aproveitamos, a dor, para nos instalarmos nela. Preferimos ficar a esgravatar na ferida, a comer diariamente o pão velho da própria maldade, em vez de termos sede de beleza, desejo de outra coisa. Parece que aquilo que aconteceu (e de mal, ainda por cima) saciou-nos completamente. As ofensas recebidas revelam-nos um duro e irônico retrato de nós. Ora, para perdoar é preciso ter uma furiosa e paciente sede do que (ainda) não há. O perdão começa por ser uma luzinha. E é bom insistir e esperar. O sol não brota de repente. Essa demora é uma condição da sua verdade.

Tolentino

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Até ao fim

Com a entrada triunfal em Jerusalém, Jesus realiza a sua vontade de ser reconhecido como o Filho de Deus e o Messias prometido. Mas o seu triunfo é totalmente diferente daquele que o mundo costuma imaginar. Jesus não chega montado num cavalo de guerra, acompanhado de exércitos, para conquistar territórios ou riquezas. Ele vem num jumentinho, humilde e manso, acompanhado de um grupo de discípulos simples e pobres. Não vem impor a sua vontade pela força, mas sim pela palavra e pelo amor.

Ao entrar em Jerusalém, Jesus sabia que seria preso, julgado e condenado à morte. Mas não recuou diante do seu destino. Ele sabia que aquele era o caminho que o Pai lhe tinha traçado e que, através da sua morte e ressurreição, salvaria a humanidade do pecado e da morte. Por isso, apesar de todo o sofrimento e da angústia que sentia, não desistiu da sua missão.

O Domingo de Ramos convida-nos a refletir sobre a nossa própria vida. Quantas vezes nos sentimos desencorajados diante das dificuldades e dos obstáculos que encontramos no caminho? Quantas vezes temos medo de enfrentar o sofrimento e a morte? Precisamos aprender com Jesus a confiar na vontade do Pai e a seguir o seu exemplo de humildade, mansidão e amor. Somente assim poderemos experimentar a verdadeira alegria da Páscoa, a alegria da vitória sobre o pecado e a morte, a alegria da vida nova em Cristo.

Assim, irmãos e irmãs é um momento em que olhamos para Cristo e deixamo-nos interpelar pela sua entrada triunfal em Jerusalém. É um momento em que nos perguntamos se estamos prontos para acolher este Rei que vem ao nosso encontro, para O seguirmos nas suas dores e nos seus triunfos, para O amarmos como Ele nos amou, até ao fim.

Cardeal José Tolentino de Mendonça 

 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

REZAR O ALARGAR DA VIDA

 

REZAR O ALARGAR DA VIDA


Ensina-nos, Senhor, a ser mais simples do que somos, capazes de acolher a vida na sua inteireza, assumindo o grande serviço que é desimpedir e descomplicar.
Ensina-nos, Senhor, a ser mais bondosos do que somos, disponíveis a suspender a rotineira máquina dos julgamentos e a fixarmo-nos não na imperfeição, mas na porção de autenticidade que cada um transporta.
Ensina-nos, Senhor, a ser mais mansos do que somos, escolhendo a via da doçura que é própria de quem se dispõe a escutar e a reconciliar, em vez da dureza que apressadamente divide.
Ensina-nos, Senhor, a ser mais paternos e maternos do que somos, implicados a cada momento na gestação positiva da vida, aceitando que a conjugação do verbo nascer acompanha os seres humanos até ao fim.
Ensina-nos, Senhor, a ser mais artesãos da paz do que somos, valorizando nesse trabalho reparador todos os fios da relação, mesmo aqueles que se diriam indecisos, frágeis ou perdidos.
Ensina-nos, Senhor, a ser mais crentes do que somos, arriscando substituir o pessimismo pela esperança quando se trata de avaliar as sementes e o percurso complexo que é afinal o de qualquer existência.

P. Tolentino
30.01.2023

domingo, 1 de maio de 2022

Segue-Me

Cardeal D. José Tolentino de Mendonça 

É muito interessante o diálogo que Jesus tem com Pedro, este diálogo final. Na tradução portuguesa parece de fato um bocado estranho, parece um diálogo de surdos porque Jesus está a insistir a perguntar a Pedro: “Pedro, tu amas-Me?” E Pedro responde sempre: “Senhor, sabes que Te amo.” E o Senhor parece que está simplesmente a repetir a pergunta. 

Temos aqui um jogo entre duas palavras gregas, o verbo agapao que quer dizer “amar” e o verbo phileo que também quer dizer “amar” mas quer dizer mais “gostar”.


Ágape é aquele amor incondicional, aquele amor fusional, aquele amor absolutamente radical. E o phileo é o amor dos amigos, que também é um amor radical, que também é um grande amor, mas é mais um gostar. É um amor que não dá aquele passo para a radicalidade última.


Então, o jogo de palavras é este: Jesus pergunta a primeira vez “Simão, tu amas-Me?” e pergunta com este “Tu amas-Me com este amor incondicional, com este agape, amas-Me?”.  E pela segunda vez o Senhor pergunta: “Simão, tu amas-Me, com este amor incondicional, com este agapao?” . E depois, a grande surpresa é na terceira pergunta de Jesus. Porque na terceira pergunta é como se Jesus desistisse de perguntar a Pedro “Pedro, tu amas-Me com este amor incondicional, com este amor radical?”  e adapta-Se ao verbo que Pedro estava a usar e pergunta-lhe: “Pedro, tu amas-Me? Tu gostas de Mim?“ E usa mesmo o verbo, phileo. Então nós percebemos a tristeza de Pedro. Pedro, conhece a fragilidade. Ele escolhido para ser o primeiro de entre os apóstolos, ele sabe que é capaz de trair, que é capaz de negar. 


Se calhar o amor com que nós amamos é um amor imperfeito, é um amor inacabado, é um amor pouco esclarecido, é um amor exíguo, é um amor insuficiente. Não é um amor isento, não é um amor completamente purificado, mas Jesus não deixa de dizer: “Com o amor com que Me podes amar, segue-Me, segue-Me. “ (…)


Jesus vem ao encontro da fragilidade do amor com que Pedro o pode amar mas não desiste de lhe dizer: “Segue-Me, segue-Me.”


~Cardeal D. José Tolentino Mendonça.




sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

sobre o Amor


Muitas vezes acontece que, diversamente das nossas expectativas, o amor não nos reclama força, antes espera de nós uma fraqueza ainda maior do que aquela que já transportamos em nós.
Muitas vezes acontece que o amor não dê importância, ou pelo menos a grandiosa importância que tínhamos idealizado, ao quanto temos de dar, mostrando-se, antes, sobretudo interessado em adestrar o nosso coração para a arte de receber.
E, do mesmo modo, que o amor não exija de nós novas palavras a adicionar àquelas que já dissemos, mas desafia-nos à aprendizagem de uma contemplação e de um silêncio que tínhamos até agora ignorado.
Na verdade, o amor, para revelar-se, não escolhe esta ou aquela preciosa veste, mas decide-se na exata e difícil nudez da vida normal. O amor não é um estado excepcional caracterizado pelo extraordinário e pelo entusiasmo, mas o reiterado percurso de espinhos que conduz à rosa.
Por isso, Senhor, ajuda-nos a compreender que amar é descobrir, no próprio coração, o quanto o amor é grande e livre, mais do que as imagens que dele possamos fazer. Que o compromisso incondicional com tal amor seja o nosso modo quotidiano de estar diante de ti.
| Cardeal D. José Tolentino Mendonça.