Naquele fim de tarde, o sol filtrava-se por entre as folhas
como se o céu quisesse tocar a terra numa carícia silenciosa.
O jardim estava quase vazio, exceto por uma criança
— pequena, de cabelos revoltos e olhos que pareciam conter o brilho de todas as manhãs.
Sentou-se na relva com a naturalidade de quem pertence ao mundo sem precisar de permissão.
Foi então que o vi. Um homem idoso, de passos lentos, olhar distante, como quem caminha entre memórias.
Trazia no corpo o peso dos anos, mas nos olhos, uma luz que ainda resistia.
A criança olhou para ele, sem hesitação, sem medo, sem filtro.
E disse, com a simplicidade que só os puros conhecem: “Xenta´qui comigo?”
O velho parou. Houve um instante em que o tempo pareceu prender a respiração.
E depois, como se aquele convite fosse um chamado antigo, ele sorriu
— um sorriso que não era só dele, mas de todos os que já foram esquecidos.
Com esforço e dignidade, ajoelhou-se e sentou-se ao lado do menino.
Ali, naquele pedaço de muro e circundante relva, formou-se algo sagrado.
Um círculo invisível, um elo entre o que começa e o que retorna.
A criança, com a leveza da inocência.
O ancião, com a profundidade da experiência. Ambos em silêncio, ambos inteiros.
Observei-os de longe, sem querer perturbar o milagre.
E compreendi:
Aquele não era apenas um encontro.
Era um ensinamento.
Era a Mãe Terra a lembrar-nos que o tempo não separa — apenas transforma.
Que a sabedoria não se impõe — floresce quando é acolhida.
E que o amor verdadeiro não precisa de palavras — basta-lhe um gesto.
Naquele momento, vi o passado e o futuro sentarem-se juntos no presente.
E o jardim tornou-se templo.
Ainda hoje me pergunto:
Quando a vida me convida a sentar-me com ela, respondo com a leveza da criança… ou com a humildade do velho que se lembra?
~Ruth Collaço
fonte: O Caminho do Universo