sexta-feira, 4 de abril de 2025
Da maneira mais simples
segunda-feira, 4 de novembro de 2024
- Ó mãe, mãe... (Eugénio de Andrade)
Certa manhã acordei sozinho em casa. Acordei a chorar.
- Ó mãe, mãe...
Mas a mãe não vinha. Não havia mãe. Havia só porta fechada,
- Ó mãe, mãe...
E a casa deserta. Pelas frinchas largas da porta via a manhã lá fora.
Era uma manhã de sol quente talvez de Julho, talvez de Agosto.
Devia haver medas de palha na eira em frente.
Mas os meus olhos mal viam, estavam rasos de água e de angústia.
- Ó mãe, mãe...
E de repente, na manhã clara, começaram a cair estrelas pequeninas,
estrelas verdes, vermelhas, estrelas de oiro.
As lágrimas caíam-me pela cara.
- Ó mãe, mãe...
O nariz esmagado contra a porta, os olhos muito abertos,
vendo através das frinchas as estrelas caindo, umas atrás das outras.
- Ó mãe, mãe...
E ninguém me abriu a porta para apanhar as estrelas.
Nem mesmo tu, mãe, que a essas horas andavas a ganhar o pão
para a boca daquele que hoje te oferece estes versos.
In “Os Amantes sem Dinheiro”
via Emília Roque
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
Não para comer…
José Tolentino Mendonça
Excerto, crónica no Expresso, 04-01-2014
Mas há finais felizes. Lembro-me dos meses que antecederam a partida do poeta Eugénio de Andrade. Ele ficou internado longo tempo no hospital de Santo António, no Porto. Nessa altura, passei por lá algumas vezes a visitá-lo e só me recordo de ouvi-lo pedir uma coisa: que lhe trouxessem duas maçãs. Não para comer, obviamente, mas para ficar a olhá-las da cama, para sentir a cor, a textura, o perfume, para distinguir a sua forma no silêncio, para amá-las como se ama uma pintura de Cézanne.
Página do autor:
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fonte: PortaldaLiteratura
terça-feira, 24 de setembro de 2024
Os Amigos
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.
In “Coração do Dia"
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
um dos melhores setembros da minha vida…
QUASE NADA
Passo e amo e ardo.
Água? Brisa? Luz?
Não sei. E tenho pressa:
Levo comigo uma criança
Que nunca viu o mar.
Eugénio de Andrade in:
segunda-feira, 19 de agosto de 2024
Dia Mundial da Fotografia
quarta-feira, 24 de julho de 2024
segunda-feira, 20 de maio de 2024
domingo, 3 de setembro de 2023
Adeus de Eugénio de Andrade
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
~Eugénio de Andrade
in Os Amantes sem Dinheiro
terça-feira, 15 de agosto de 2023
Elegia
Às vezes era bom que tu viesses.
Falavas de tudo com modos naturais:
em ti havia
a harmonia
dos frutos e dos animais.
Maio trouxe cravos como outrora,
cravos morenos, como tu dizias,
mas cada hora
passa e não se demora
na tristeza das nossas alegrias.
Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
um novo gesto é igual ao que passou.
Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude,
tu quebraste o ritmo, o ardor,
ao partires um a um
os ramos todos da tua juventude.
Não estamos sós:
setembro traz ainda
um fruto em cada mão.
Mas os homens, as aves e os ventos
já não bebem em ti a direcção.
~Eugénio de Andrade in POESIA
Amantes sem dinheiro, 1950
quarta-feira, 26 de julho de 2023
sexta-feira, 21 de julho de 2023
Frente a frente
Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.
Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!
sexta-feira, 30 de junho de 2023
Canção
fonte: Eugénio de Andrade
sábado, 21 de janeiro de 2023
sexta-feira, 5 de agosto de 2022
domingo, 1 de maio de 2011
Poema à Mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Eugénio de Andrade,
in "Os Amantes Sem Dinheiro"
fonte: Lume & Ar