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sábado, 17 de fevereiro de 2024

Reza da manhã de maio

 


REZA DA MANHÃ DE MAIO 


Senhor, dai-me a inocência dos animais 

Para que eu possa beber nesta manhã 

A harmonia e a força das coisas naturais.


Apagai a máscara vazia e vã

De humanidade,

Apagai a vaidade,

Para que eu me perca e me dissolva

Na perfeição da manhã 

E para que o vento me devolva

A parte de mim que vive

À beira dum jardim que só eu tive.


~Sophia de Mello Breyner Andresen 

In “Dia do Mar” 



sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Peço-Te

 

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio

E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,

Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.

Peço-Te que inundes tudo.

E que o Teu reino antes do tempo venha

E se derrame sobre a Terra

Em Primavera feroz precipitado.


Sophia de Mello Breyner Andresen

mural JAPT


segunda-feira, 5 de junho de 2023

Quando

 

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta 
Continuará o jardim, o céu e o mar, 
E como hoje igualmente hão-de bailar 
As quatro estações à minha porta. 
Outros em Abril passarão no pomar 
Em que eu tantas vezes passei, 
Haverá longos poentes sobre o mar, 
Outros amarão as coisas que eu amei. 
Será o mesmo brilho, a mesma festa, 
Será o mesmo jardim à minha porta, 
E os cabelos doirados da floresta, 
Como se eu não estivesse morta. 





sexta-feira, 15 de abril de 2022

A Paz sem Vencedor e sem Vencidos


Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Em Memória" (1972) in 'Dual'


sexta-feira, 19 de junho de 2020

Porque


Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

fonte: mail FR (Antena1)