quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Um dia rebentamos


Encobrimos o que sentimos como quem esconde o lixo debaixo do tapete. 

Depois tropeçamos nele, fingimos que a culpa foi do tapete. 


Dizemos que está tudo bem quando não está. 

Sorrimos por educação enquanto morremos por dentro. 

Resolvemos as coisas “depois”, adiamos conversas, engolimos o nó na garganta como se fosse uma pastilha que um dia há-de dissolver-se sozinha. 


Não dissolve. 

Nunca dissolve.


Um dia rebentamos. 

No trânsito, numa discussão absurda sobre quem devia ter lavado a loiça, numa resposta irracional. 


O lixo vem todo ao de cima, acumulado, fermentado: um monstro criado à custa de silêncios, de recalcamentos. 


A culpa não é nossa. 

Nunca é nossa. 


A culpa é do trabalho, do tempo, do país, do chefe, da inflação, da vida. 


A culpa é do tapete. O tapete que existe para que possamos fingir.


Continuamos. 

Pisamos o tapete, sentimos debaixo dos pés tudo o que varremos. 

Até tropeçarmos de novo.


~Pedro Chagas Freitas


A RARIDADE DAS COISAS BANAIS

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fonte: LinkedIn






1 comentário:

  1. É o que se chama "ter o saco cheio", tentamos e dizemos o que não queremos😕

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